sábado, 14 de agosto de 2010

"Levantai-vos, vamo-nos daqui" (Parte II)

Foi bom eu ter dividido o texto em duas partes, afinal. Falei com um amigo hoje, e ele me fez ver que, se eu dissesse tudo num texto só, a postagem seria tão extensa que eu mesmo ficaria desanimado pra ler. Além disso, o texto anterior me deixou com algumas perguntas, umas dúvidas, e as respostas só vieram agora há pouco; quer dizer, se eu tivesse escrito tudo ontem, eu não só correria o risco de deixar outras pessoas com as mesmas dúvidas, como também teria uma certa dificuldade pra deixar as respostas que eu encontrei. Enfim, prossigamos.

As principais dúvidas que ficaram ontem foram: Como falar sobre a primeira frase do versículo 31? O que, especificamente, seria o proceder ao qual Jesus se referia? E – a mais complicada delas –, se o príncipe do mundo não influenciava a vida de Jesus, por que Cristo se submeteria a ele? Por que Jesus pararia de falar quando chegasse o inimigo? Com a resposta, eu pude ver que estas perguntas estão intimamente ligadas, e que, ao contrário de uma possível contradição, a fala de Jesus demonstra uma sabedoria tremenda, uma capacidade de prever as dúvidas dos interlocutores e de responder a perguntas antes que elas fossem proferidas.

A resposta para essas perguntas está nos próprios versículos 30 e 31. O “assim procedo” se refere ao fato de Jesus se submeter às autoridades do mundo, mesmo sendo ele o Messias, enviado de Deus; refere-se a ele privar, por um pouco, os seus discípulos da sua companhia, ainda que o motivo fosse a “vinda” de alguém que não decide nada por ele.

Logo em seguida, Jesus explica a finalidade do assim proceder: “para que o mundo saiba que eu amo o Pai e que faço como o Pai me ordenou”. Como ele mesmo dissera no versículo 15 e no 23 deste capítulo: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” e “Se alguém me ama, guardará a minha palavra”. Se alguém ama, guarda a palavra do amado. Jesus, por amar o Pai, devia cumprir tudo o que lhe foi ordenado: como um cordeiro, deveria se entregar silenciosamente ao sacrifício. Como disse Paulo:

“pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz.” (Filipenses 2.6-8)

E, depois de dito tudo isso, vale ressaltar a última frase do capítulo, que é título desse texto: “Levantai-vos, vamo-nos daqui”. Achei interessante que, embora Jesus não tenha pregado em um lugar somente, essa foi a única vez que eu li uma ordem desse tipo, para que os discípulos se movessem, saíssem de onde estavam. Sim, o mais plausível é que fosse uma ordem casual; mas é curioso que ela tenha sido mantida na Escritura, havendo muitas outras coisas não relatadas neste evangelho (como se ressalta em João 21.25).

Fui levado a pensar, então, que essa era mais do que uma ordem comum. Havia mais nessa frase. Tendo sido consolados, tendo recebido promessas e explicações, tendo visto os exemplos de santidade, obediência, submissão, amor a Deus, os discípulos foram orientados a se levantarem de onde estavam, a saírem. Como o que Jesus disse aos discípulos geralmente também se aplica a nós, seria de se esperar que essa orientação também tivesse a ver com as nossas vidas.

O que me parece é que, depois de devidamente firmados, consolados, suportados e animados, os discípulos deveriam descruzar os braços (ou as pernas) e se mover. O movimento é necessário. Os discípulos, que não estavam de pé, assim deveriam se pôr para que as coisas andassem da maneira certa. Assim com eles como conosco.

Jesus tem muito a nos dizer, certamente. Mas, como discípulos, não devemos simplesmente escutar. A exemplo do que está escrito na carta de Tiago, devemos pôr em prática tudo que aprendemos, sair da posição de inércia em que tendemos a ficar; deixar pra trás o conforto e dar início ao trabalho. Jesus, além do amor e da graça abundantes, deixou promessas, deixou mandamentos, deixou exemplos; pode nos dar muito mais, e certamente dará na medida em que procurarmos. Mas, se amamos a Deus acima de todas as coisas, e a Cristo, devemos cumprir tudo o que ele ordena a cada um: negar a si mesmo, apartar-se do mal, ser santo como ele é, amar ao próximo, (conseqüentemente) pregar o evangelho a toda criatura. E, pra isso, devemos agir. Portanto, amigos, levantemo-nos, vamo-nos daqui.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

"Levantai-vos, vamo-nos daqui" (Parte I)

O capítulo 14 do livro de João é um daqueles textos que têm mais a dizer do que a gente pode perceber na primeira leitura. Neste capítulo temos a tão conhecida frase “Eu sou o Caminho, e a Verdade, e a Vida; ninguém vem ao Pai senão por mim”; vemos a promessa da vinda do Espírito de Deus (o Consolador); a promessa de que os três (Pai, Filho e Espírito) habitariam em nós, e outras coisas mais. Gostaria, porém, de me ater aos dois últimos versículos dessa passagem:

“Já não falarei muito convosco, porque aí vem o príncipe do mundo; e ele nada tem em mim;
contudo, assim procedo para que o mundo saiba que eu amo o Pai e que faço como o Pai me ordenou. Levantai-vos, vamo-nos daqui.”

João 14.30-31. Depois de tudo o que foi dito neste capítulo, estes versículos poderiam passar sem serem notados. Depois de tudo o que se aprende à primeira vista, talvez se ache que não há "mais nada", que o importante é o "óbvio", talvez a reflexão termine precocemente. Confesso que foi o que aconteceu comigo nas primeiras vezes em que li esses versículos. Mas, como temos um capítulo com 31 versículos, o meu objetivo aqui é comentar alguma coisa sobre esse último trecho.

Como eu acho que o texto ficaria um pouco extenso, vou dividi-lo em duas partes. Nesta primeira postagem, eu vou falar um pouco sobre o versículo 30, e a principal mensagem que ele deixou pra mim; numa segunda postagem, eu falo sobre o outro versículo e tento “fechar” as ideias. Enfim, ao texto.

É preciso voltar um pouco pra entender algumas coisas. Antes de dizer isso que será analisado, Jesus havia “separado” os seus discípulos para a ceia, e falava com eles a respeito de tudo o que já dissera: resumia seus ensinamentos, continuava dando lições e deixando os seus mandamentos. Como numa última conversa, Jesus se despedia, consolando aqueles que o amavam com doces e grandes promessas. E foi nesse contexto, já sabendo do que estava prestes a acontecer, que Jesus disse: “Já não falarei muito convosco”.

Logo em seguida, ele explica: “porque lá vem o príncipe do mundo”. Uma das primeiras perguntas a se fazer: quem é o “príncipe do mundo”? Bom, esta é uma expressão que o próprio Cristo usa dois capítulos adiante: “do juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado” (João 16.11). Paulo usa uma expressão parecida em Efésios 2.2: “segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar”. Essas duas passagens e uma pesquisa um pouco mais detalhada permitem concluir que o príncipe deste mundo é Satanás, o Maligno – “Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro jaz no Maligno” (1 João 5.19).

O que ele quis dizer, então, foi que havia uma missão a ser cumprida, havia um plano a ser realizado, e lá vinha o príncipe do mundo. “... e ele nada tem mim”. Essa simples oração contém muito mais do que se pode absorver numa leitura descuidada. É uma declaração que mostra toda a pureza e a santidade do Salvador, declaração que deve ficar gravada em nosso coração.

Satanás nada tem em Jesus. Nem naquele momento, em que Jesus era homem de carne, como todos nós somos, o príncipe do mundo tinha algo em Cristo: não tinha influência sobre as decisões que ele tomaria, não tinha conselho, domínio, nada. Jesus estava no mundo, mas o mundo não determinava nada: tudo que ele fazia era a vontade de quem o enviou. Isso é a santidade, e esse deve ser o nosso alvo enquanto vivermos aqui.

Ou seja, em um período de três orações, Jesus nos disse muito mais coisas do que se suporia. Disse que separações e negações deveriam ocorrer para que a missão fosse cumprida; alertou para a aproximação do inimigo das almas, coisa que, sabemos os que lutamos, vem acontecendo continuamente (1 Pedro 5.8-9); e nos deu o seu exemplo de santidade, que deve ser seguido por todos os que o amam (1 Pedro 1.15-16, referência em Levítico 11.44-45;19.2).

Devemos buscar viver no mundo essa vida que Jesus vivia, e que só pode se realizar num relacionamento extremamente profundo com Deus, pela graça de Cristo, que nos chamou. É fundamental que estejamos firmes na Palavra de Deus, para entender a vontade do Pai e cumpri-la em nossas vidas; essa é uma busca incessante, árdua e necessária, para que, de glória em glória, sejamos transformados pelo Espírito na imagem do próprio Senhor (2 Coríntios 3.18).